Novo indulto para a Missa?

Dom Lourenço Fleichman OSB

 

Muito se tem falado sobre um documento que o Papa Bento XVI já teria assinado, dando maiores liberdades à missa de S. Pio V em todo o mundo. Por enquanto não há confirmação oficial, logo não devemos tirar conclusões. Temos rezado nossos terços desde o mês de Agosto preparando o buquê espiritual que a Fraternidade São Pio X quer enviar ao Papa pedindo nesta intenção.

Mas é bom, neste momento, relembrarmos que, segundo a lei da Igreja, os padres de todo o mundo já têm esta permissão. Falo da Bula Quo Primum Tempore, de São Pio V, datada de 1570, onde o Santo Papa dominicano estabelece de modo muito forte os critérios perenes da celebração da missa romana. Vale a pena reler este texto impressionante, assim como os diversos comentários que se seguem, no site da Capela.

É, portanto, muito bom, que um decreto do atual Papa venha liberar a missa, pois aqueles padres que não têm coragem de celebrá-la por força da Bula papal de 1570, poderão faze-lo pelo documento atual. Mas isso não muda o direito que já existe da celebração neste rito. Além disso, parece difícil que um documento do Papa libere a missa de São Pio V com todo o direito que lhe é próprio, pois a reação dos episcopados modernistas é sempre violentamente contrária a todas as medidas fiéis à Tradição da Igreja. O que parece, pelos boatos, é que a liberação da missa estará, mais uma vez, nas mãos dos bispos, como já rezava o Motu Próprio de João Paulo II, de 1984.

Sempre fico muito impressionado com o vigor da Bula de S. Pio V porque ela dá a resposta exata a esta pretenção dos papas atuais de querer limitar o uso deste missal tradicional segundo a boa vontade dos bispos. A construção do documento de S. Pio V é uma jóia do direito eclesiástico e até mesmo do direito civil. Deveria ser objeto de estudo nas universidades de Direito e de Direito Canônico. Vejo ali quatro etapas importantes:

- obrigação de usar, para sempre, o missal por ele reformado. (nº 6)

- eliminação dos antigos missais diocesanos ou próprios, com permissão (não obrigatória) de usar aqueles que datam de mais de duzentos anos. (nº 7)

- indulto perpétuo para o uso, por todos os padres, seculares como religiosos, deste missal reformado: "sem nenhum escrúpulo de consciência e sem que se possa encorrer em nenhuma pena, sentença e censura, e isto para sempre" (nº 8)

- indulto perpétuo diante de coação, isentando a todos os padres de serem coagidos pelas autoridades a celebrar a missa com outro missal. (nº 9)

Estes quatro pontos, muito claros no texto em questão, e o vigor com que são editados, fazem desta Bula um texto muito especial. A Igreja não é um tribunal, nem um Parlamento. Ela é a Esposa de Cristo e sua missão é levar as almas ao céu. Por isso, é preciso sempre levar em conta o aspecto espiritual, as intenções da Divina Providência, que governa a Igreja. Parece claro que esta intenção, no caso da Bula Quo Primum, era a de estabelecer uma proteção ao rito, de modo que as coisas que não aparecem e que são as mais importantes, ficassem preservadas de todo erro. E que são estas coisas? A doutrina que é refletida pelo rito, segundo o adágio Lex orandi, lex credendi. A regra da oração é a regra da fé.

Curiosamente, um texto papal que deveria ser um decreto administrativo, do direito eclesiástico, reveste-se, sob a autoridade do santo Papa, de um peso, de um valor dogmático que aparece nos termos usados pelo papa de então. Com efeito, é com a intenção de preservar a doutrina, o dogma católico, que S. Pio V edita este missal. Por isso, não economizará os termos que o Direito Canônico lhe confere para dar à sua Bula a perenidade  e a força necessária. "...sob pena de nossa indignação..." - "em nome da santa obediência..." - "em virtude de Nossa Autoridade Apostólica, pelo teor da presente Bula..." "Se alguém, contudo, tiver a audácia de atentar contra estas disposições, saiba que incorrerá na indignação de Deus Todo-poderoso e de seus bemaventurados Apóstolos Pedro e Paulo."

Não é o rito em si que obriga à esta perenidade, mas sim a fé católica, a doutrina de sempre, a salvação das almas. E assim encontraremos ao longo de todo o texto a menção constante da autoridade suprema que promulga a lei, dos gravíssimos castigos que esperam aos que ousarem desobedecer, a abrangência universal e perene da lei então editada. Estas condições fazem desta bula um documento emitido Ex Cáthedra, ou seja, pela força do Magistério Extraordinário do Papa, e não pela força do Magistério Ordinário, segundo ensina o Concílio Vaticano I, de 1870.

Estas são as razões pelas quais não vemos necessidade de nenhum outro documento papal para podermos celebrar a santa Missa com o Missal de São Pio V, sem escrúpulos, apesar de muitas coações e pressões. É a fé católica que nos obriga a esta resistência. Que os outros venham se juntar a nós, libertos dos seus medos pelas bulas atuais, caso seu bispo lhes aliviar a alma e não constrangê-los a continuar escravos dos novos ventos de Vaticano II.

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