Declaração
de Mgr. Lefebvre por ocasião das Sagrações de Ecône, 30/06/1988
"Lê-se,
no capítulo XX do Êxodo, que Deus, depois de ter proibido o seu povo de adorar
deuses estrangeiros, acrescentou as seguintes palavras: “Eu sou o Senhor
teu Deus, o Deus forte e ciumento, que persegue nos filhos a iniquidade dos pais
até à terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.” E, no capítulo
XXXIV, diz assim: “Não adores deus estrangeiro. Deus ciumento, eis o nome
do Senhor.”
É justo e salutar que Deus seja ciumento do que lhe pertence em próprio
e desde os séculos dos séculos; ciumento do seu ser infinito, eterno,
todo-poderoso; ciumento da sua Glória, da sua Verdade, da sua Caridade;
ciumento de ser o único Criador e Redentor e, portanto, o fim de todas as
coisas, a única via da salvação e da felicidade de todos os anjos e de todos
os homens; ciumento de ser o “alfa” e o “ômega”.
A Igreja Católica, por Ele
fundada e à qual entregou todos os seus tesouros de salvação é, também ela,
ciumenta dos privilégios do seu único Mestre e Senhor e ensina a todos os
homens que para Ela se devem voltar e por Ela devem ser batizados, se quiserem
ser salvos e participar na Glória de Deus na Eternidade bem-aventurada. A
Igreja é, pois, essencialmente missionária. Ela é essencialmente Una, Santa,
Católica, Apostólica e Romana.
Ela não pode admitir que fora dela haja uma outra religião verdadeira;
não pode admitir que se possa encontrar uma via de salvação fora dela, pois
ela identifica-se com o seu Senhor e Deus que disse: “Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida.”
Ela tem, pois, horror a qualquer comunhão ou união com falsas religiões,
com as heresias que afastam as almas do seu Deus que é o único Deus.
Ela não conhece unidade senão no seu próprio seio, como no seu Deus.
Para isso dá o sangue dos seus mártires, a vida dos seus missionários, dos
seus padres, o sacrifício dos seus religiosos e religiosas; ela oferece o
sacrifício quotidiano de propiciação.
Ora, com o Vaticano II sopra na Igreja um espírito adúltero, espírito
que admite, pela Declaração sobre a Liberdade Religiosa, o princípio da
liberdade de consciência para os atos internos e externos, fora do alcance de
qualquer autoridade.
É o princípio da Declaração dos Direitos do Homem, da Revolução
Francesa, contra os direitos de Deus. Ora, as autoridades da Igreja, do Estado e
da família participam da autoridade de Deus e têm, portanto, o dever de
contribuir para a difusão da Verdade e para a aplicação do Decálogo, bem
como o de proteger os seus súditos do erro e da imoralidade.
Esta Declaração levou à secularização dos Estados católicos, o que
é um insulto a Deus e à Igreja, reduzindo a Igreja ao direito comum,
juntamente com as falsas religiões. É o mesmo espírito adúltero tantas vezes
censurado por Deus e pelos profetas ao povo de Israel (veja, na Nota 1, a
Declaração de Paulo VI publicada no “Osservatore Romano” de 24 de abril de
1969).
Esse espírito adúltero também se manifesta no ecumenismo instituído
pelo Secretariado para a Unidade dos Cristãos. Esse ecumenismo aberrante
valeu-nos todas as reformas litúrgicas, bíblicas, canônicas, com o regime
colegial destruidor da autoridade pessoal do Sumo Pontífice, do Bispo e do Pároco
(veja Nota 2).
Esse espírito não é católico. É fruto do modernismo condenado por São
Pio X. Está a devastar todas as instituições da Igreja e, especialmente, os
seminários e o clero, de tal modo que podemos perguntar quem é ainda
integralmente católico entre os clérigos submetidos ao espírito adúltero do
Concílio.
Nada é, pois, mais urgente na Igreja do que formar um clero que repudie
esse espírito adúltero e modernista e salve a glória da Igreja e do seu
Divino Fundador, conservando a Fé integral e os meios estabelecidos por Nosso
Senhor e pela Tradição da Igreja para manter essa Fé e transmitir a vida da
graça e os frutos da Redenção.
Desde há quase vinte anos que nos esforçamos com paciência e firmeza
por fazer compreender às autoridades Romanas essa necessidade do regresso à sã
doutrina e à Tradição, para a renovação da Igreja, para a salvação das
almas e para a glória de Deus.
Porém, ficam surdos às nossas súplicas e, pior ainda, pedem-nos que
reconheçamos a justeza de todo o Concílio e das reformas que arruinam a
Igreja. Não querem ter em conta a experiência que fazemos, com a graça de
Deus, da manutenção da Tradição, experiência que produz frutos verdadeiros
de santidade e atrai numerosas vocações.
Para salvaguardar o sacerdócio católico e continuar a Igreja Católica
– e não uma Igreja adúltera – precisamos de bispos católicos.
Vemos-nos, pois, obrigados, devido à invasão do espírito modernista no
clero atual, e até às mais altas esferas no seio da Igreja, a consagrar
bispos.
Tendo o princípio dessa consagração sido admitido pelo Papa na carta
de 30 de maio ao Cardeal Ratzinger, estas consagrações serão, não apenas válidas,
como também, dadas as circunstâncias históricas, certamente lícitas. Porém,
lícitas ou não, é por vezes necessário abandonar a legalidade para
permanecer no direito.
O
Papa não pode deixar de desejar a continuação do sacerdócio católico. Não
é, pois, de maneira nenhuma num espírito de ruptura ou de cisma que realizamos
essas consagrações episcopais, mas para vir em socorro da Igreja que, sem dúvida,
se encontra na mais dolorosa situação da sua história.
Se estivéssemos no tempo de São Francisco de Assis, o Papa estaria de
acordo conosco. Nesses felizes tempos, a Maçonaria não ocupava lugar no
Vaticano.
Afirmamos,
pois, o nosso apego e a nossa submissão à Santa Sé e ao Papa. Ao realizar
este ato temos consciência de continuar a servir a Igreja a ao Papado, como nos
temos esforçado por fazer desde o primeiro dia do nosso sacerdócio.
No dia em que o Vaticano estiver liberto dessa ocupação modernista e
reencontrar o caminho seguido pela Igreja até o Vaticano II, os nossos bispos
estarão inteiramente nas mãos do Sumo Pontífice, incluindo a eventualidade de
deixaram de exercer as suas funções episcopais. (grifo
nosso)
Enfim, dirigimo-nos à Virgem Maria, também Ela ciumenta dos privilégios
do seu Divino Filho, ciumenta da sua Glória, do seu reino sobre a terra como no
Céu.
Quantas vezes interveio em defesa, mesmo armada, da Cristandade, contra
os inimigos do Reinado de Nosso Senhor! Suplicamo-lhe que intervenha hoje para
afastar os inimigos do interior que tentam destruir a Igreja mais radicalmente
do que os inimigos do exterior.
Que Ela se digne conservar na integridade da fé, no amor da Igreja, na
devoção do sucessor de Pedro, todos os membros da Fraternidade São Pio X e
todos os padres e fiéis que trabalham com os mesmos sentimentos, para que Ela
nos guarde e nos preserve tanto do cisma como da heresia.
Que São Miguel Arcanjo nos comunique o seu zelo pela Glória de Deus e a
sua força para combater os demônios.
Que São Pio X nos transmita sua sabedoria, a sua ciência e a sua
santidade para, nestes tempos de confusão e de mentira, distinguirmos o
verdadeiro do falso e o bem do mal.
+ Marcel Lefebvre
Arcebispo
da única Igreja de Jesus Cristo,
Santa,
Católica, Apostólica e Romana,
pela
graça de Deus e por eleição de
Sua
Santidade o Papa Pio XII.
Nota
1: Declaração de Paulo VI, publicada no “Osservatore Romano” de 24 de
agosto de 1969:
“É já bem conhecida de todos a nova posição adotada pela Igreja em
relação às realidades terrenas. Eis o novo princípio, muito importante na prática
(...). A Igreja aceita reconhecer o mundo como “auto-suficiente” e não
procura fazer dele um instrumento para os seus fins religiosos...“
Protestei, em carta dirigida ao ex-Santo Ofício, contra essa declaração,
contrária a Fé católica. A resposta foi, da parte da Secretaria de Estado,
quer dizer do Cardeal Villot, que fizesse o favor de sair de Roma imediatamente!
Ao que respondi que mandassem um pelotão de guardas suíços para a isso me
obrigarem. Foi o silêncio.
Eis no que se tornou – e ainda é – o Vaticano para com os defensores
da Fé católica. Ora, todos os Papas, nas suas encíclicas, afirmaram o contrário.
Não só a Fé, mas também a sã filosofia protestam contra essa declaração
que levou à laicização de todos os Estados católicos.
Nota
2: O Secretariado para a Unidade dos Cristãos no Concílio.
Convém lembrar o importante lugar que ocuparam no Concílio os membros
do Secretariado para a Unidade dos Cristãos. O Cardeal Bea, seu responsável,
estabeleceu relações oficiais com a loja maçônica judia dos B’nai B’rith,
de Nova York. Foi ele o redator dos projetos de esquemas sobre a liberdade
religiosa, sobre os judeus, sobre as religiões não cristãs, sobre o
ecumenismo, em colaboração com o então Mons. Willebrands (depois cardeal),
secretário do Secretariado, e Mons. de Smedt, vice-presidente do Secretariado e
relator no Concílio da Declaração sobre a liberdade religiosa.
O Cardeal Willebrands faz parte da Comissão Vaticana para as relações
entre judeus e cristãos, da Comissão que mantém relações com o Conselho
Ecumênico das Igrejas, em Genebra, e da Comissão que trata das relações com
Moscou por meio da Igreja Ortodoxa de Moscou.
A eles juntavam-se Mons. Etchegaray, Mons. Maller, os padres dominicanos
de Contenson, Bernard Dupuy e muitos outros.
Também não se deve esquecer a influência dos protestantes de Taizé,
que, no Vaticano, têm entrada franca por todo lado.