Na conferência que leremos agora, Mgr. Marcel Lefebvre nos dá alguns detalhes do árduo combate que ocupou os últimos anos de sua vida para conseguir manter a Tradição, no que toca seu relacionamento com Roma. É claro que muitos anos já se passaram desde que ele deu esta conferência que data de meados da década de 80. Houve o encontro de Assis e diversos atos do Papa João Paul II que empurraram o Vaticano cada vez mais adentro no ecumenismo e no progressismo. A crise se agravou. Mas os princípios católicos que o lúcido bispo apresenta permanecem os mesmos. Publicada na Revista Fideliter, da Fraternidade São Pio X.
Foi conservado o estilo falado. |
A INFILTRAÇÃO
DO MODERNISMO NA IGREJA
Breve
História
Fico contente em constatar
que no mundo inteiro, no mundo católico, em todo lugar, pessoas corajosas se reúnem
em torno de padres fiéis à fé católica e à Igreja Católica, para manter a
tradição que é a fortaleza de nossa fé.
Se existe um movimento tão
geral é porque a situação da Igreja é verdadeiramente grave. Pois, para que
padres, fiéis católicos, aceitem ser tratados de rebeldes, de dissidentes, de
desobedientes, mesmo se tratando de bons padres, alguns dos quais já serviram
em paróquias durante trinta anos com grande satisfação de seus paroquianos,
é para manter a fé católica. Eles o fazem conscientemente no espírito dos mártires.
Ser perseguido por seus irmãos
ou pelos inimigos da Igreja, qualquer que seja a mão que bata, por vista que
seja contra a manutenção da fé, é sofrer um martírio. Esses padres, esses
fiéis, são testemunhas da fé católica. Eles preferem ser considerados como
rebeldes e dissidentes a perder a fé.
Nós assistimos, no mundo
inteiro, a uma situação trágica, inacreditável, que parece não se ter
jamais produzido na história da Igreja. É preciso então tentar explicar esse
fenômeno extraordinário. Como podem bons fiéis, bons padres, se esforçarem
por manter a fé católica num mundo católico que está em plena dissolução?
Foi o Papa Paulo VI, ele mesmo, que falou de autodemolição da Igreja. O que
significa esse termo de autodemolição senão que a Igreja se destrói, ela
mesma, por ela mesma, por seus próprios membros? É isso o que já dizia o Papa
São Pio X na sua primeira encíclica, quando escrevia: «Hoje, o inimigo da
Igreja não está mais no exterior da Igreja, está no interior». E o Papa
não hesitava em designar os lugares aonde ele se encontrava: «O inimigo se
encontra nos seminários». Por conseqüência, já no início do século, o
Santo Papa Pio X, na sua primeira encíclica, denunciava a presença de inimigos
da Igreja nos seminários.
E é evidente que esses
seminaristas que estavam imbuídos do modernismo, do Sillonismo e do progressismo se tornaram padres. Alguns deles se
tornaram bispos e entre eles cardeais. Poderia-se citar os nomes daqueles que
fizeram seu seminário no início do século, que morreram agora, mas cujo espírito
era modernista e progressista.
Assim, já o Papa Pio X
denunciava essa divisão na Igreja, uma certa ruptura no interior mesmo da
Igreja e do Clero.
Eu não sou mais jovem e já
tive ocasiões, ao longo de minha vida de seminarista, de minha vida sacerdotal
e de minha vida episcopal, de constatar essa divisão, e isso já no seminário
francês de Roma, onde eu fazia meus estudos, pela graça do Bom Deus. Confesso
que não estava muito entusiasmado pelos estudos feitos em Roma. Eu pessoalmente
preferia estar, como os seminaristas de minha diocese, no seminário de Lille e
me tornar um pequeno vigário e em seguida um simples cura numa paróquia do
campo.
Manter a fé numa paróquia:
eu me via um pouco pai espiritual de uma população a qual nos apegamos, para
lhe inculcar a fé e os modos cristãos. Era o meu ideal. Mas, aconteceu que meu
irmão estava já, depois da Guerra de 1914-1918, em Roma, porque ele tinha se
separado da família por circunstâncias da guerra no norte da França e, por
conseqüência, meus pais insistiram para que eu fosse reencontrar meu irmão.
«Como seu irmão já está em Roma, no seminário francês, vá então
encontrá-lo e fazer seus estudos com ele». E eu parti para Roma. Fiz meus
estudos na Universidade gregoriana, de 1923 a 1930. Fui ordenado em 1929 e
fiquei como padre no seminário durante um ano.
As
primeiras vítimas do Modernismo
Ora, durante esses anos no
seminário, passaram-se coisas trágicas que me lembram exatamente tudo o que eu
vi depois do Concílio. Estou praticamente na mesma situação em que estava
nosso superior do seminário francês naquele momento: o padre Le Floch, que foi
o superior do seminário francês de Roma durante trinta anos. Era um homem
muito digno, um Bretão, forte e firme na sua fé como o granito da Bretanha.
Ele nos ensinava as encíclicas dos papas e o que era o modernismo condenado por
S. Pio X, os erros modernos condenados por Leão XIII, o que era o liberalismo
condenado por Pio IX. E nós amávamos nosso padre Le Floch. Nós éramos muito
apegados a ele.
Mas sua firmeza na doutrina,
na tradição, desgostava aos modernistas, evidentemente. Já existiam
progressistas naquela época, pois os papas os condenavam. Ele desagradava não
somente aos progressistas, mas também ao governo francês. O governo francês
tinha medo que, por intermédio do Pe. Le Floch, por essa formação dada aos
seminaristas, os bispos tradicionalistas viessem se implantar na França e
dessem à Igreja da França um clima tradicional e evidentemente antiliberal.
Ora, o governo francês era maçônico e por conseqüência, fundamentalmente
liberal e não podia nem pensar que bispos não liberais pudessem tomar os
postos mais importantes. Pressões foram exercidas sobre o papa para eliminar o
Pe. Le Floch. Foi Francisque Gay, futuro líder do M.R.P., o encarregado dessa
operação. Ele desceu a Roma e fez pressão sobre o Papa Pio XI, denunciando o
Pe. Le Floch como sendo, por assim dizer, da Action Française, e um homem político ensinando aos seminaristas a
serem membros da Action Française.
Tudo isso era mentira.
Durante três anos eu escutei o Pe. Le Floch nas suas conferências espirituais.
Nunca ele nos falou da Action Française.
Hoje eles me dizem: «Você foi naquele tempo membro da Action
Française». Eu nunca fui membro da Action
Française.
Evidentemente, dizem que
somos membros da Action Française,
nazistas, fascistas, tudo o que se pode nos rotular como etiquetas pejorativas,
porque nós somos anti-revolucionários e antiliberais.
Então uma pesquisa foi
feita: o cardeal arcebispo de Milão foi enviado ao local. Não era o menor dos
cardeais. Beneditino, homem de uma grande santidade e de uma grande inteligência,
foi designado pelo Papa Pio XI para pesquisar no seminário francês para ver se
o que dizia Francisque Gay era exato ou não. A pesquisa foi feita. O resultado
foi: o seminário francês funciona perfeitamente bem sob a direção do Pe. Le
Floch. Não temos absolutamente nada a reprovar ao superior do seminário.
Bem, isto não foi o
suficiente. Três meses depois, nova pesquisa, dessa vez com a ordem de acabar
com o Pe. Le Floch. A nova pesquisa foi feita por um membro das Congregações
Romanas que concluiu, com efeito, que o Pe. Le Floch era amigo da Action
Française, que ele era perigoso para o seminário e que era preciso pedir
sua demissão. O que foi feito. Em 1926, a Santa Sé pediu ao Pe. Le Floch para
deixar a direção do seminário francês. Nós ficamos estarrecidos. O Pe. Le
Floch nunca foi um homem político. Era um homem tradicional, apegado à
doutrina da Igreja, aos papas, grande amigo do Papa Pio X, que tinha uma grande
confiança nele. E, precisamente, porque ele era um amigo do Papa Pio X, então
ele era inimigo dos progressistas.
E depois, nessa época em que
eu estava no seminário francês, não somente o Pe. Le Floch foi atacado, mas
também o Cardeal Billot, teólogo de primeiro valor, hoje ainda reputado e
estudado nos nossos seminários. Monseigneur Billot, cardeal da Santa Igreja,
foi deposto. Tiraram-lhe a púrpura e enviaram-lhe, como penitência, para perto
de Albano, Castelgandolfo, na casa dos Jesuítas, proibido de sair, sob o
pretexto de que ele tinha ligações com o Action
Française. De fato, o Cardeal Billot não era da Action Française, mas ele estimava a pessoa de Maurras e o citava
em seu livro de teologia. Por exemplo, no segundo livro da Igreja, «De Ecclesia»,
o Cardeal Billot fez um magnífico estudo sobre o liberalismo, onde, em notas,
fez algumas citações de Maurras. Era um pecado mortal!Eles acharam isso para depor o Cardeal Billot. Isto não é pouca coisa,
um dos maiores teólogos de sua época deposto como cardeal, reduzido ao estado
de simples padre, pois ele não era bispo (naquele tempo ainda havia cardeais diáconos).
Já era a perseguição.
O
Papa Pio XI sofreu influência dos progressistas
O Papa Pio XI sofreu influência
dos progressistas que se achavam já em Roma. Nós vemos aí precisamente, uma
certa diferença entre os papas que se sucederam e portanto nessa época o Papa
Pio XI fez encíclicas magníficas. Não era um liberal. Sua encíclica contra o
comunismo Divini Redemptoris, sua encíclica
sobre o Cristo-Rei, instaurando a festa do Cristo Rei , logo, o reino social de
Nosso Senhor Jesus Cristo é magnífico. Sua encíclica sobre educação cristã
é absolutamente admirável e permanece hoje um documento fundamental para
aqueles que querem defender a escola católica.
Então, no plano da doutrina,
o Papa Pio XI foi um homem admirável, mas fraco no domínio da ação prática.
Ele era influenciável. Foi assim que ele foi muito influenciado na guerra do México
(1926-1929) e que ele deu ordem aos Cristeros, àqueles que defendiam a religião católica e combatiam pelo Cristo-Rei,
de confiar no governo e entregar as armas. Desde que entregaram as armas, foram
todos massacrados. Ainda se lembram, no México, desse massacre horrível. O
Papa Pio XI confiou no governo, que o enganou. Depois do que se passou, ele
mostrou-se desolado. Ele não imaginava que um governo que lhe prometera tratar
com honra àqueles que defendiam sua fé iria em seguida massacrá-los. Foram,
com efeito, milhares de mexicanos que foram massacrados por causa de sua fé.
Já no início do século
certas situações anunciam uma divisão na Igreja. E chegamos lentamente, mas
seguramente, às vésperas do Concílio.
O Papa Pio XII foi um grande
papa. Tão bom nos seus escritos quanto na sua maneira de conduzir a Igreja. E
no tempo de Pio XII a fé foi firmemente mantida e, naturalmente, os
progressistas não gostavam dele, porque ele lembrava os princípios
fundamentais da teologia e da verdade.
Então veio João XXIII, ele
que não tinha o temperamento de Pio XII. João XXIII era um homem muito
simples, muito familiar. Ele não via problemas em lugar nenhum.
Quando ele quis fazer um sínodo
em Roma, lhe disseram: «Mas, Santo Padre, um sínodo tem que ser preparado, é
preciso ao menos um ano, talvez dois, para preparar tal reunião, afim de que os
frutos sejam numerosos e que as reformas possam ser verdadeiramente estudadas e
em seguida aplicadas para que Vossa diocese de Roma tire proveito. Isto não
pode se fazer assim, no espaço de dois ou três meses e depois quinze dias de
reuniões, e tudo irá bem. Não é possível !».
«Ah, sim, sim, eu conheço,
eu sei, vamos fazer um pequeno sínodo, vamos preparar isso em alguns meses e
tudo irá bem».
Preparou-se o sínodo
rapidamente: comissões em Roma, todo mundo trabalhando. Quinze dias de sínodo
e depois tudo acabou. O Papa João XXIII estava contente, seu pequeno sínodo
foi feito; resultado: nenhum. Nada mudou na diocese de Roma. A situação ficou
exatamente a mesma.
À
deriva com o Concílio
A mesma coisa para o Concílio.
«Tenho a intenção de fazer um Concílio». Já o Papa Pio XII tinha sido
solicitado por certos cardeais para reunir um Concílio. Mas ele recusou,
estimando que isso seria impossível. Não se pode, dizia ele, na nossa época,
fazer um Concílio com 2.500 bispos. As pressões que se pode sofrer do fato dos
meios de comunicação social são muito perigosas para que se possa reunir um
Concílio. Corre-se o risco de perder o controle. E ele não fez o Concílio.
Mas o Papa João XXIII disse:
não se pode ser pessimista; é preciso ver as coisas com confiança. Vamos nos
reunir durante três meses, com todos os bispos do mundo inteiro. Começamos em
13 de outubro e entre 8 de dezembro e 25 de janeiro, tudo terminado, todo mundo
vai embora e volta para suas casas e acaba-se o Concílio.
E o papa lançou o Concílio!
Era preciso prepará-lo. Não se faz um Concílio como um sínodo. Foi preciso
prepará-lo dois anos antes. Fui nomeado pessoalmente membro da Comissão
Central Preparatória, sendo arcebispo de Dakar e presidente da Conferência
Episcopal do Oeste Africano. Eu vim, então, a Roma, durante dois anos, ao menos
umas dez vezes, para participar das reuniões dessa Comissão Central Preparatória
que era, de fato, muito importante porque para ela todos os documentos das
comissões secundárias eram enviados, para serem estudados e submetidos ao Concílio.
Havia nessa comissão setenta cardeais e uns vinte arcebispos e bispos, além
dos peritos. Mas estes não eram membros da comissão. Estavam lá somente para
serem eventualmente consultados pelos membros.
A
aparição da divisão
Ora, durante esses dois anos,
as reuniões se sucederam e apareceu claramente, para todos os membros que
estavam presentes, que havia uma divisão profunda no interior da Igreja. Uma
divisão profunda, não acidental ou superficial, mas uma divisão profunda mais
ainda entre os cardeais que entre os arcebispos e bispos. Na ocasião dos votos
que foram feitos vimos os cardeais conservadores votarem de uma maneira e os
cardeais progressistas de outra. E todos os votos eram sempre mais ou menos no
mesmo sentido. Está claro que havia uma divisão real entre os cardeais.
Relatei em um de meus livros,
Un Evêque Parle, um pequeno incidente que sempre lembro porque
caracteriza verdadeiramente o fim dessa Comissão Central e o início do Concílio.
Foi durante a última sessão; nós tínhamos recebido dois documentos sobre o
mesmo tema. O Cardeal Bea tinha preparado um texto De Libertate Religiosa,“Da Liberdade Religiosa”. O Cardeal Ottaviani tinha preparado um outro: De
Tolerantia Religiosa, “Da Tolerância Religiosa”.
Tratando do mesmo assunto, já
os dois títulos eram significativos de duas concepções diferentes. O Cardeal
Bea falava da liberdade de todos as religiões e o Cardeal Ottaviani da
liberdade da religião católica e da tolerância do erro, tolerância das
falsas religiões. Como isso poderia se arrumar em comissão ?
E desde o começo o Cardeal
Ottaviani apontou o dedo sobre o Cardeal Bea e lhe disse: «Eminência, não tens o direito de fazer esse documento». O Cardeal
Bea respondeu: «Perdão, como presidente da Comissão de Unidade eu tinha
perfeitamente o direito de fazer esse documento. Logo, eu fiz esse documento
cientemente. E, aliás, eu sou radicalmente opositor de vossa tese.
Assim, dois cardeais dos mais
eminentes, o Cardeal Ottaviani, prefeito do Santo Ofício, e o Cardeal Bea,
confessor do Papa Pio XII, jesuíta, tendo uma grande influência sobre todos os
cardeais, que era bem conhecido no Instituto Bíblico, que fez estudos bíblicos
muito superiores. Ou seja, duas personalidades eminentes que se opõem sobre uma
tese fundamental na Igreja. Outra coisa é a liberdade de todas as religiões,
isto é, por-se sobre o mesmo pé a liberdade e o erro e depois, de outro lado,
a liberdade da religião católica e a tolerância dos erros.
É totalmente diferente.
Tradicionalmente a Igreja foi sempre pela tese do Cardeal Ottaviani e não por
aquela do Cardeal Bea, que é totalmente liberal.
Então, o Cardeal Ruffini, de
Palermo, se levantou e disse: «Nós estamos na presença de dois confrades que
se opõem um ao outro sobre uma questão muito importante na Igreja. Nós vamos
ser obrigados a apelar à autoridade suprema».
Com freqüência, o papa
vinha presidir nossas reuniões. Mas ele não estava nessa última. Então os
cardeais pediram para votar: «Nós não queremos esperar ir ver o Santo Padre,
nós vamos votar». Fizeram um voto. A metade dos cardeais, mais ou menos, votou
pela tese do Cardeal Bea e a outra pela do Cardeal Ottaviani. Ora, todos os que
votaram pelo Cardeal Bea eram os cardeais da Holanda, da Alemanha, da França,
da Áustria, todos, em geral, da Europa e da América do Norte. Quanto aos
cardeais tradicionais, eles eram da Cúria romana, da América do Sul e em geral
os de língua espanhola.
Era uma verdadeira ruptura na
Igreja. E desde esse momento eu me perguntei como o Concílio iria se passar,
com oposições parecidas sobre teses também importantes. Quem vai prevalecer?
É o Cardeal Ottaviani com os cardeais de língua espanhola e de língua latina,
ou os cardeais europeus e os da América do Norte?
E, com efeito, a luta começou
imediatamente no interior do Concílio desde os primeiros dias. O Cardeal
Ottaviani apresentou a lista dos membros que faziam parte das comissões
preparatórias, dando plena liberdade a cada um de escolher o que queria. Porque
era evidente que nós não nos conhecíamos. Nós chegáramos, cada um de sua
diocese, como conhecer os 2.500 bispos do mundo ?
Pede-se para votar para
designar os membros das comissões do Concílio. Quem escolher?
Nós não conhecíamos os bispos da América do Sul, da África do Sul,
da Índia.
Então o Cardeal Ottaviani
pensou: Roma já fez uma escolha para todas as Comissões Preparatórias, isso
poderia ser uma indicação para ajudar os padres do Concílio a escolher. Era
perfeitamente normal.
O Cardeal Lienart se levantou
e disse: «Nós não aceitamos esse procedimento. Pedimos 48 horas de reflexão
afim de melhor conhecer aqueles que poderiam fazer parte de diferentes comissões.
É uma pressão que é exercida sobre o julgamento dos padres. Nós não o
aceitamos».
O Concílio tinha começado há
dois dias e já era um afrontamento entre os cardeais. O que aconteceu?
Durante essas duas horas os
cardeais liberais tinham já preparado listas variadas de todos os países do
mundo e eles distribuíram nas caixas de correio de todos os padres do Concílio.
Nós todos recebemos então uma lista propondo: membros de tal comissão, este,
aquele... de diferentes países. Muitos disseram: – enfim, porque não?
Eu não os conheço. Como a lista já está pronta, só temos que nos
servir. Quarenta e oito horas depois foi a lista dos liberais que veio em
primeiro lugar. Mas ela não passou com dois terços de votos, como previa o
regulamento do Concílio.
Então, o que faria o Papa? O
Papa João XXIII iria fazer uma exceção ao regulamento do Concílio ou aplicá-lo
? Evidentemente os cardeais liberais tiveram medo e se precipitaram em busca do
Papa e disseram: «Escute, temos mais da metade das vozes, quase 60%. O senhor não
pode recusar isso. Não se vai ainda refazer uma eleição, não se sairá mais
disso. Isto representa bem a maioria do Concílio, só podemos aceitar isso». E
o Papa João XXIII aceitou. E desde o começo todos os membros da Comissão do
Concílio foram nomeados pela fração liberal. Pode-se calcular que influência
enorme isso iria ter no Concílio.
Estou certo que o Papa João
XXIII morreu prematuramente do que ele viu e anteviu do Concílio. Ele que
pensava que no fim de alguns meses tudo teria acabado. Um Concílio de três
meses. Todos se abraçam e voltam para casa, felizes e contentes de ter estado
em Roma e de ter feito uma boa reuniãozinha.
Ele descobriu que o Concílio era um mundo e um lugar onde haveria disputas. Nenhum texto saiu da primeira sessão do Concílio. O Papa João XXIII ficou desconcertado e eu acho que isso acelerou sua morte. Disseram mesmo que sobre seu leito de morte ele disse: «Pare o Concílio, pare o Concílio».
Paulo VI dá seu apoio aos liberais
Veio o Papa VI. E é evidente
que ele deu seu apoio à facção liberal. Como assim?
Desde o começo de seu
pontificado, na Segunda sessão do Concílio, ele nomeou imediatamente quatro
moderadores. Mas já havia os dez presidentes que durante a primeira sessão
presidiram os trabalhos do Concílio. Cada um dentre eles presidia uma sessão,
depois o segundo, depois o terceiro. Eles estavam numa mesa mais elevada que os
outros. Eles dirigiam o Concílio.
O Papa Paulo VI nomeou
imediatamente esses quatro moderadores, e os presidentes se tornaram os
presidentes de honra. Os quatros moderadores tornaram-se os verdadeiros
presidentes do Concílio.
Ora, quem eram esses
moderadores? O Cardeal Döpfner, de Munich, muito progressista, muito ecumênico.
O Cardeal Suenens, que todo mundo conhece como mais carismático e que fez
conferências em favor do casamento dos padres. O Cardeal Lercaro, conhecido por
seu filo-comunismo e que tinha um vigário geral inscrito no partido comunista.
E, enfim, o Cardeal Agagionian. Ele representava um pouco a facção
tradicional, pode-se dizer. Era um homem discreto, sério, que por conseqüência
não teve verdadeira influência sobre o Concílio. Mas os três outros
conduziram a tarefa com o vento em popa. Eles reuniam constantemente os cardeais
liberais, o que deu uma força considerável à facção liberal do Concílio.
Evidentemente os cardeais e
os bispos tradicionalistas se acharam, desde então, como postos de lado,
desprezados.
Quando o pobre cardeal
Ottaviani, cego, pedia a palavra, se ele não terminasse no fim dos dez minutos
que lhe era dado, escutava-se murmúrios entre os jovens bispos para lhe fazer
calar, lhe fazer compreender que se estava satisfeito de lhe ouvir. Que já
bastava. Foi horrível. Esse venerável cardeal, venerado por toda Roma, que
teve uma influência enorme na Santa Igreja, prefeito do Santo Ofício, não é
uma função qualquer. Era escandaloso ver como eram tratados aqueles que eram
tradicionalistas.
Monsenhor Stoffa (nomeado cardeal mais tarde) muito ativo, recebeu da presidência do Concílio pedido que se calasse. Coisas inimagináveis.
A Revolução na Igreja
Assim se passou o Concílio.
É evidente que todos as teses, todos os textos do Concílio foram influenciados
pelos cardeais liberais e as comissões liberais. Não devemos nos espantar que
tenhamos tido textos ambíguos, favoráveis a mudanças, a uma verdadeira revolução
na Igreja.
Será que nós poderíamos
ter feito alguma coisa, nós que representávamos a facção tradicional dos
bispos e cardeais? Pouca coisa, em definitivo. Éramos duzentos e cinqüenta
favoráveis à permanência da Tradição e desfavoráveis a mudanças de vulto
na Igreja: falsa renovação, falso ecumenismo, falsa colegialidade. Nós éramos
opostos a essas coisas. Esses duzentos e cinqüenta bispos, evidentemente,
tiveram algum peso e, em certas ocasiões, os textos foram modificados. O mal
foi um pouco limitado. Mas nós não conseguimos impedir certas teses de passar,
particularmente a da liberdade religiosa, cujo texto foi refeito cinco vezes.
Cinco vezes a mesma tese voltava. Nós nos opusemos sempre. Havia sempre
duzentos e cinqüenta vozes contra. Então o Papa Paulo VI fez adicionar duas
pequenas frases no texto, dizendo: «não há nada nesse texto que seja contrário à doutrina tradicional da Igreja» e
«a Igreja permanece sempre a verdadeira e única Igreja de Cristo».
Então, os bispos espanhóis,
em particular, disseram: «bem, já que o Papa adicionou isso, agora não há
mais problema, já que não há nada contra a tradição». Se as coisas são
contraditórias, essa pequena frase contradiz tudo o que está no interior do
texto. É um esquema contraditório. Não se pode aceitar isso. Então sobraram
somente, se eu me lembro bem, setenta e quatro bispos que permaneceram contra.
É o único esquema que encontrou uma tal oposição: 74 sobre 2.500, é pouca
coisa !
Então terminou o Concílio,
não podemos nos espantar com as reformas que foram feitas. Depois de toda a
história do liberalismo, os liberais saindo vitoriosos no interior do Concílio,
exigiram do Papa Paulo VI lugares nas Congregações romanas. E, de fato, os
lugares importantes foram dados aos progressistas. Quando morria um Cardeal, ou
numa ocasião qualquer que permitisse ao Papa Paulo VI afastar um cardeal
tradicionalista, ele colocava imediatamente um cardeal liberal no seu lugar.
Foi assim que Roma achou-se
ocupada pelos liberais. É um fato que não se pode mais negar, nem que as
reformas do Concílio foram reformas que respiram esse espírito de ecumenismo,
um espírito protestante, nem mais nem menos.
A
Reforma Litúrgica
O mais grave foi a reforma litúrgica. Ela foi operada, sabe-se, por um padre bem conhecido, Bugnini, que tinha preparado isso muito tempo antes.
Já em 1955, o Padre Bugnini
fez traduzir os textos protestantes por Mons. Pintonello, Capelão Geral do exército
italiano, que tinha passado muito tempo na Alemanha durante a ocupação, pois
ele próprio não conhecia alemão. Foi Mons. Pintonello que disse a mim mesmo
que ele tinha traduzido os livros litúrgicos protestantes para o Padre Bugnini,
que naquele momento era um membro menor de uma comissão litúrgica. Ele não
era nada. Depois foi professor de liturgia no Latrão. O Papa João XXIII lhe
mandou embora por causa de seu modernismo, de seu progressismo. Pois bem, ele
tornou-se presidente da Comissão da Reforma da Liturgia. É inacreditável. Eu
tive ocasião de constatar eu mesmo a influência do Padre Bugnini. Como isso pôde
acontecer em Roma.
Eu era, naquele tempo, logo
depois do Concílio, superior geral da Congregação dos Padres do Espírito
Santo e nós tínhamos, em Roma, uma Associação de superiores gerais.
Nós pedimos ao Pe. Bugnini
para nos explicar o que era sua nova missa, porque enfim, não era um pequeno
acontecimento. Depois do Concílio, logo depois, ouviu-se falar de Missa
normativa, Missa nova, novus ordo, o que é isso tudo? Não se falou disso no Concílio. O que está acontecendo? Então nós
pedimos ao Pe. Bugnini para explicar ele mesmo aos 84 superiores gerais que se
reuniram, entre os quais eu me encontrava.
O Padre Bugnini, com muito
boa vontade, nos explicou o que era a Missa normativa: vai-se mudar isso, vai-se
mudar aquilo, vamos pôr um outro ofertório, poderemos escolher os Canons,
poderemos reduzir as orações da Comunhão, poderemos ter muitos esquemas para
o final da Missa. Poderemos dizer a Missa em língua vernácula. Nós nos olhávamos
dizendo: não é possível!
Ele falava exatamente como se
nunca tivesse tido uma Missa antes dele. Falava de sua Missa normativa como de
uma invenção nova.
Pessoalmente, fiquei atônito
e mudo, quando, habitualmente, eu tomo com facilidade a palavra para me opor àqueles
com os quais não estou de acordo. Não conseguia dizer uma palavra. Não é
possível que seja a esse homem que está aí diante de mim que foi confiada
toda a reforma da Liturgia Católica, do Santo Sacrifício da Missa, dos
Sacramentos, do Breviário, de todas as nossas orações. Aonde vamos nós? Aonde vai a Igreja?
Dois superiores gerais
tiveram a coragem de se levantar. E um deles questionou o Padre Bugnini: «É uma participação ativa, é uma participação corporal, isto é,
orações vocais, ou é a participação espiritual? Em todo caso, o senhor falou tanto da participação dos fiéis, que
parece que não se justifica mais a Missa sem fiéis, porque toda a sua Missa foi feita em função da participação
dos fiéis. Nós beneditinos, celebramos nossas Missas sem fiéis. Então,
devemos continuar a dizer nossas Missas privadas, visto que não temos fiéis
que aí participem?»
Eu vos repito exatamente o
que disse o Pe. Bugnini, eu tenho ainda nos meus ouvidos tanto isso me chocou:
«Para falar a verdade, não se pensou nisso», disse ele!
Depois um outro se levantou e
disse: «Reverendo Padre, o senhor disse: vamos suprimir isso aqui, suprimir
aquilo lá, substituir isso por aquilo, e sempre orações mais curtas, eu tenho
a impressão que a sua nova Missa vai ser dita em dez, doze minutos, um pequeno
quarto de hora, não é razoável, não é respeitoso para um tal ato da Igreja».
E ele lhe respondeu isso: «Poder-se-á sempre adicionar qualquer coisa».
É sério? Eu ouvi com os meus ouvidos. Se fosse qualquer um que me tivesse contado eu teria quase duvidado,
mas eu escutei eu mesmo.
Depois, no momento em que
essa Missa normativa começou a se realizar, eu estava tão horrorizado que nós
fizemos uma pequena reunião com alguns padres, alguns teólogos, de onde saiu o
“Breve exame crítico” que foi levado ao Cardeal Ottaviani. Eu presidia essa
pequena reunião. Foi dito: «É preciso ir aos cardeais. Não se pode deixar
fazer isso sem reagir.»
Então fui procurar eu mesmo
o secretário de Estado, o Cardeal Cicognani e lhe disse:
«Vossa Eminência deixará passar isto?
Não é possível. O que é essa nova Missa? É uma revolução na
Igreja, uma revolução na liturgia.»
O Cardeal Cicognani, que era
o Secretário de Estado de Paulo VI, pôs a cabeça entre as mãos e disse-me: «Oh, Monsenhor, eu bem sei: Eu estou de acordo com o senhor, mas o que eu posso fazer ?
O Pe. Bugnini pode entrar no escritório do Santo Padre e lhe fazer assinar o que ele quer.» Foi o Cardeal Secretário de Estado que me disse
isso! Então, o Secretário de Estado, a personalidade número dois da Igreja depois do Papa, foi posta em estado de inferioridade em relação ao Pe. Bugnini.
Ele podia entrar nos aposentos do Papa quando ele queria e lhe fazer assinar o que ele quisesse.
Isso pode explicar, então,
porque o Papa Paulo VI teria assinado textos que ele não tinha lido. Ele disse
isso ao Cardeal Journet, que era um homem muito ponderado, professor na
Universidade de Friburgo, na Suiça, um grande teólogo. Quando o cardeal viu
essa definição da Missa na Instrução que precede o novo “Ordo”, ele
disse: não se pode aceitar essa definição da Missa; é preciso que eu vá a Roma ver o Papa. Ele foi e disse: «Santo Padre, não podeis deixar essa definição, ela é herética.
Não podeis continuar a deixar vossa assinatura numa coisa como essa». E o
Santo Padre lhe respondeu (o Cardeal Jounet não me disse a mim mesmo, mas a
alguém que me repetiu): «Bem, realmente, eu não a li. Eu assinei sem ler.» Evidentemente, se o Pe. Bugnini tinha uma tal influência sobre ele, é
possível. Ele dizia ao Santo Padre: «Podeis assinar» «Mas o
senhor prestou bem atenção?» — «Sim,
vós podeis assinar.»E ele
assinou.
E isso não passou pelo Santo
Ofício. Eu o sei, pois o Cardeal Seper ele mesmo me disse que estava ausente
quando o Novo Ordo foi editado e que isso não passou pelo Santo Ofício. Então,
foi realmente o Pe. Bugnini que obteve essa assinatura, que contrariou talvez o
Papa, nós não sabemos, mas que tinha, sem dúvida alguma, uma influência
extraordinária sobre o Santo Padre.
Terceiro fato do qual eu fui
testemunha a propósito do Pe. Bugnini: na
ocasião da permissão que estava sendo dada para a comunhão na mão (mais uma
coisa horrível!) eu achei que não podia deixar passar isso. É preciso que eu
vá ver o Cardeal Guth – um suiço – que era prefeito da Congregação do
Culto. Eu fui então a Roma, onde o Cardeal Guth me recebeu muito amavelmente, e
imediatamente me disse: «Eu vou
fazer entrar o meu segundo, o Arcebispo Antonini, afim de que ele possa ouvir o
que o senhor diz.» E nós
conversamos. Eu disse: «Escute,
o senhor que é responsável pela Congregação do Culto, não pode deixar
publicar esse decreto autorizando a comunhão na mão. Imagine todos os sacrilégios
que isso vai representar. Imagine a falta de respeito pela Santa Eucaristia que
vai se espalhar em toda a Igreja. É inadmissível, o senhor não pode deixar
fazer algo assim. Já os padres começam a dar a comunhão dessa maneira. É
preciso parar isso imediatamente. E com essa nova missa eles pegam sempre o
pequeno cânon, o segundo, que é muito breve». A esse propósito, o
Cardeal Guth disse a Mons. Antonini: «Veja,
eu disse que isso aconteceria, que os padres pegariam o cânon mais curto, para
ir mais rápido, para acabar mais rápido com a Missa».
Depois o Cardeal Guth me
disse: – «Monsenhor, se pedissem minha opinião (quando ele dizia
"pedissem", era ao Papa que ele se referia, porque só o Papa era seu
superior), mas eu não estou certo que vão me pedir (ele que era
Prefeito da Congregação do Culto, encarregado de tudo que era ligado ao culto
e a liturgia!), eu me poria de joelhos, Monsenhor, diante do Papa e lhe
diria: Santo Padre, não faça isso, não assine esse decreto! Eu me poria de joelhos, Monsenhor. Mas eu não sei se me
interrogarão pois não sou eu que mando aqui». Isso eu ouvi com meus
ouvidos. Ele fazia alusão a Bugnini, que era o terceiro na Congregação do
Culto. Havia o Cardeal Guth, o Arcebispo Antonini e o Pde. Bugnini, presidente
da Comissão de Liturgia. É preciso ter escutado isso! É preciso compreender também minha atitude quando me dizem:
o senhor é um dissidente, um desobediente, um rebelde.
Infiltrados
na Igreja para destruí-la
Sim, eu sou um rebelde. Sim,
eu sou um dissidente. Sim, eu sou um desobediente dessa gente, dos Bugnini.
Porque são eles que se infiltraram na Igreja para destruí-la. Não é possível
fazer de outro modo.
Então, vamos contribuir para
a destruição da Igreja? Vamos dizer: sim, sim, amém, mesmo se é o inimigo que penetrou até junto do Santo Padre e que pode fazê-lo assinar o
que ele quer? Sob quais pressões? Não sabemos. Existem coisas escondidas que nos escapam, evidentemente.
Alguns dizem que é a maçonaria. É possível, eu não sei. Em todo caso, há
um mistério. Como um padre que não é cardeal nem mesmo bispo, um padre ainda
jovem naquela época, que subiu contra a vontade do Papa João XXIII, que o
tinha expulsado da Universidade do Latrão, que subiu, subiu e que chegou ao
topo que se ri do Cardeal Secretário de Estado, que se ri do Cardeal Prefeito
da Congregação do Culto, que vai diretamente ao Santo Padre e lhe faz assinar
o que ele quer. Nunca se viu nada de parecido na Santa Igreja. Tudo passa sempre
pelas autoridades. Faz-se Comissões. Estuda-se os documentos. Mas esse rapaz
era todo poderoso!
Foi ele que trouxe esses
pastores protestantes para mudar nossa Missa. Não foi o Cardeal Guth. Não foi
o Cardeal Secretário de Estado, talvez nem mesmo o Papa. Foi ele. Que tipo de
homem era esse Bugnini?
Um dia o Abade de São Paulo
fora dos Muros, beneditino que precedeu Bugnini na Comissão de Liturgia, me disse: «Monsenhor, não me fale do Pe. Bugnini; eu
sei muito sobre ele. Não me pergunte quem ele é». Eu retomei: «Mas
diga-me, porque é necessário que as pessoas saibam, é necessário que as
coisas apareçam» «Eu não posso
lhe falar do Pe. Bugnini». Logo, ele o conhecia bem. É provável que tenha
sido ele que tenha pedido a João XXIII de sair da Universidade do Latrão.
Este conjunto de coisas nos
mostra que o inimigo penetrou no interior da Igreja, como já dizia São Pio X;
ele está no mais alto cume, como anunciou Nossa Senhora de La Salette, e como
está, sem dúvida, no terceiro segredo de Fátima.
Mas, se o inimigo está realmente dentro da Igreja, deve-se lhe obedecer? Ah!
sim, ele representa o Papa... Antes de tudo, não se sabe de nada, não se sabe
o que pensa o Papa.
É bem verdade que eu tenho
provas pessoais de que o Papa Paulo VI era muito influenciado pelo Cardeal
Villot. Diziam que o Cardeal Villot era maçom. Não sei. Aconteceram coisas.
Fotocopiaram cartas de maçons endereçadas ao Cardeal Villot. Não tenho as
provas. Mas, de qualquer forma, o Cardeal Villot tinha grande influência sobre
o Papa. Ele reuniu em suas mãos todos os poderes em Roma. Tornou-se o mestre,
muito mais do que o Papa. Tudo passava por suas mãos. Isso eu sei. Um dia, fui
ver o Cardeal Wright, sobre o catecismo canadense. Eu lhe disse: «Veja esse
catecismo. O senhor conhece estes livretos intitulados Ruptura? São
abomináveis. Eles ensinam às crianças a romper: romper com a família, com a
sociedade, com a Tradição...são os catecismos que se ensina às crianças no
Canadá, com Imprimatur de Mgr. Courdec. O senhor é encarregado dos
catecismos no mundo inteiro, o senhor está de acordo com este catecismo?» «Não,
não - me disse ele - este catecismo não é católico» «Ele não
é católico? Diga isso imediatamente à Conferência Episcopal do Canadá.
Diga-lhes para parar, de joga-lo no fogo e retomar verdadeiros catecismos». «Como
quer o senhor que eu me oponha a uma Conferência Episcopal?»
Eu disse então: acabou-se. Não
há mais autoridade dentro da Igreja. Terminado! Se Roma não pode dizer mais
nada a uma Conferência Episcopal,
mesmo se ela esta destruindo a Fé das crianças, então é o fim da Igreja.
Esta é a situação: Roma
tem medo das Conferências Episcopais. Estas Conferências são abomináveis. Na
França, existe uma campanha patrocinada pelos bispos em favor da contracepção.
Acho que eles foram convencidos pelo governo socialista que passa constantemente
na televisão este slogan: tome a pílula para impedir o aborto.
Eles não acharam nada melhor do que isso e fazem uma campanha irracional em
favor da pílula. Elas são subvencionadas para meninas de doze anos, para
evitar o aborto! E os bispos aprovam! No boletim da diocese de Tulle, que
continuo a receber porque é a minha antiga diocese, havia documentos oficiais
em favor da contracepção, firmados pelo bispo, Mgr. Bruneau, um antigo
superior geral dos padres de Saint Sulpice, um dos melhores bispos da França.
É assim!
Porque
eu não obedeço
O que devemos fazer? Eles
dizem: o senhor deve obedecer, o senhor é desobediente, não tem o direito de
continuar o que está fazendo, está dividindo a Igreja.
O que é uma lei? O que é um
decreto? O que nos obriga à obediência? Uma lei, diz Leão XIII, é uma ordenação da razão para o bem
comum, nunca para o mal comum – é para o bem. Isso é tão evidente que, se
for para o mal, deixa de ser uma lei. Leão XIII dizia isso explicitamente na
Encíclica Libertas. Uma lei que não é para o bem comum não é mais
uma lei e não deve ser obedecida.
Muitos canonistas, em Roma,
dizem que a Missa de Bugnini não é uma lei. Não houve lei para a Nova Missa.
Admitamos que tenha até havido uma lei, vinda de Roma, uma ordenação da razão
para o bem comum e não para o mal comum. Ora, a Nova Missa está destruindo a
Igreja, destruindo a Fé. É evidente. O Arcebispo de Montreal (Canadá), Mgr.
Grégoire, numa carta publicada, foi muito corajoso. É um dos raros bispos a
ter ousado escrever uma carta denunciando os males que sofre a Igreja em
Montreal. «Ficamos assustados de ver o abandono das paróquias por grande número
de fiéis. Atribuímos isso, em grande parte, à reforma da Liturgia». Ele
teve a coragem de falar assim.
Estamos diante de uma
verdadeira conjuração dentro da Igreja, da parte dos atuais cardeais, como o
Cardeal Nox, que fez essa famosa pesquisa sobre a Missa de S. Pio V no mundo
inteiro. É uma mentira clara e evidente para influenciar o Papa João Paulo II,
para que ele dissesse: se é só esse pequeno número que quer a Tradição,
isso vai acabar sozinho, não vale nada. Na verdade, o Papa, quando me recebeu
em audiência, em Roma, em novembro d e1978, queria assinar um ato, pelo qual os
padres pudessem rezar a Missa de sua escolha. Ele estava inclinado a fazer isso.
Mas existe em Roma um grupo
de cardeais que é radicalmente contra a Tradição. O Cardeal Casaroli,
prefeito da Congregação dos Religiosos; o Cardeal Baggio, prefeito da Congregação
dos Bispos, posto muito importante que cuida da nomeação dos bispos. E o
famoso Virgínio Lévi, segundo da Congregação do Culto, talvez pior do que
Bugnini. O Cardeal Hamer, arcebispo belga, segundo do Santo Ofício, nascido na
região de Louvain, formado com todas as idéias modernistas de Louvain. Estes são
radicalmente contra a Tradição; não querem nem ouvir falar. Creio que se
pudessem me esganar eles o fariam.
Que eles nos deixem ao menos a liberdade
Eles se unem contra mim assim
que sabem que eu faço um esforço
junto ao Santo Padre para tentar obter a liberdade para a Tradição. Que eles
nos deixem em paz; que nos deixem rezar como se rezou durante séculos; que nos deixem continuar o que nós aprendemos no seminário; que eles
nos deixem continuar o que aprendemos quando éramos moços, que é procurar a
melhor maneira de se santificar. É isso que nos ensinaram no seminário.
Pratiquei isso quando me tornei padre; quando me tornei bispo, ensinei isso aos
meus padres e a todos os meus seminaristas: eis o que é preciso fazer para
tornar-se santo. Amar o Santo Sacrifício da Missa, a que nos é dada pela
Igreja; os sacramentos, o catecismo. Principalmente, não mudem nada, preservem
a Tradição que dura há vinte séculos. É isso que nos santifica, foi isso
que santificou os santos. Agora eles querem mudar tudo. Não é possível. Que
eles nos deixem, ao menos, a liberdade!
Ora, quando eles ouvem isso,
imediatamente eles vão ao Santo Padre e dizem: nada para Mgr. Lefebvre, nada
para a Tradição. Não volte atrás!
Como são cardeais muito
importantes, o Cardeal Casaroli, Secretário de Estado, e outros, o Papa não
ousa. Há alguns cardeais que aceitariam uma norma favorável, como o Cardeal
Ratzinger. Ele substituiu o Cardeal Seper, que morreu no Natal de 1981. E olha
que o Cardeal Ratzinger era muito liberal na época do Concílio. Foi amigo de
Rahner, de Hans Kung, de Schillebeeckx. Mas por causa de sua nominação como
arcebispo de Munich ele abriu um pouco os olhos. Ele está, certamente, mais
consciente do perigo das reformas e mais desejoso de voltar às normas
tradicionais, junto com o Cardeal Palazzini, da Congregação das beatificações,
e do Cardeal Oddi, da Congregação do clero. Esses três cardeais estariam
dispostos a nos deixar a liberdade. Mas os demais têm ainda muita influência
sobre o Santo Padre...
Fui a Roma, há cinco
semanas, para ver o Cardeal Ratzinger, que foi nomeado pelo Papa para substituir
o Cardeal Seper junto à Fraternidade São Pio X, junto a mim. O Cardeal Seper
tinha sido nomeado quando da audiência que o Papa João Paulo II me tinha
concedido. Ele chamou o Cardeal Seper e lhe disse: «Eminência, o senhor
manterá as relações entre Mgr. Lefebvre e eu. O senhor será o intermediário».
Agora ele nomeou o Cardeal Ratzinger.
Fui vê-lo e conversamos
durante quase duas horas. Certamente o Cardeal Ratzinger parece mais positivo e mais capaz de alcançar uma boa solução. A única
dificuldade que permanece séria é a questão da Missa. No fundo, sempre foi a
Missa, desde o início. Pois eles sabem muito bem que eu não sou contra o Concílio.
Há coisas que eu não aceito no Concílio. Não assinei o texto da liberdade
religiosa; não assinei o texto da Igreja no mundo. Não se pode dizer que eu
sou contra o Concílio, mas há coisas que não se pode aceitar, que são contrárias
à Tradição. Isso não deveria lhes importar tanto, pois o próprio Papa disse
que se deve analisar o Concílio à luz da Tradição. Se fosse visto o Concílio
à luz da Tradição, isso não me incomodaria em nada. Eu assinaria esta frase,
pois tudo o que é contrário à Tradição seria, evidentemente, rejeitado.
Durante uma audiência que o Papa me concedeu, ele me perguntou: «O senhor
estaria disposto a assinar esta fórmula?» Eu respondi: «Foi o senhor
mesmo que a utilizou e eu estaria disposto a assina-la». «Então, disse
ele, não há dificuldade dogmática entre nós». E eu disse: «Assim eu
espero» «O que sobra, então? O senhor aceita o Papa?» «É claro que
nós reconhecemos o Papa e rezamos pelo Papa nos nossos seminários. Nós somos,
talvez, os únicos seminários do mundo onde se reza pelo Papa. E respeitamos
muito o Papa. Quando o Papa me pediu para vir, eu sempre vim. Mas há a questão
da liturgia, disse eu, que é realmente muito difícil. A liturgia está
demolindo a Igreja, demolindo os seminários. É uma questão muito grave». «Não,
não, é uma questão disciplinar, não é grave. Se só existe isso, penso que
chegaremos a uma solução».
Em seguida o Papa chamou o
Cardeal Seper que veio imediatamente. Se ele não tivesse vindo, penso que o
Papa teria assinado um acordo. O Cardeal Seper chegou e o Papa lhe disse: «Acho
que as coisas não são difíceis de se acertar com Mgr. Lefebvre; creio que
poderíamos chegar a uma solução, há apenas a questão da liturgia que é um
pouco difícil» E o Cardeal respondeu: «Ah! não dê nada a Mgr.
Lefebvre. Eles fazem da Missa de S. Pio V uma bandeira». E a mim de
intervir: «Uma bandeira, claro, a bandeira de nossa Fé, a Santa Missa,
Misterium Fidei, é o grande mistério de nossa Fé. É claro, é nossa
bandeira, é a expressão de nossa Fé».
Mas isso impressionou muito
ao Santo Padre, que pareceu mudar imediatamente. Para mim, isso mostrou que o
Papa não é um homem forte. Se ele tivesse sido forte, ele teria dito: sou
eu que vou ver isso. Vamos resolver isso. Mas não. De repente ele teve como
um medo, tornou-se temeroso e, no momento em que deixava seu escritório ele
disse ao Cardeal Seper: «O senhor poderia conversar já agora. Poderia
tentar acertar as coisas com Mgr. Lefebvre. Fiquem aqui, eu tenho que ir ver o
Cardeal Baggio. Ele tem muitos dossiers para ver comigo sobre os bispos. Eu tenho de ir». E ao sair ele me disse: «Pare,
Monsenhor, pare». Ele estava transformado. Em poucos minutos ele tinha
mudado completamente. Foi nesta audiência que eu lhe mostrei uma carta que
tinha recebido de um bispo polonês.
Ele me tinha escrito um ano
antes, para me dizer que ele me felicitava pela obra que eu tinha fundado em Écône,
dos padres que eu formava. Ele queria que eu mantivesse a Missa antiga em toda
sua Tradição, e acrescentava: não sou o único. Somos vários bispos que
vos admiram, que admiram seu seminário e a formação que o senhor dá aos
padres e a Tradição que o senhor mantém dentro da Igreja, porque nós, nos
obrigam a tomar a nova Liturgia para arrancar a fé dos nossos fiéis.
Isso dizia este bispo polonês.
Então eu levei esta carta no meu bolso quando fui ver o Santo Padre, pois eu
pensava: ele vai certamente me falar da Polônia. E não me enganei. Ele me
disse: «O senhor sabe, na Polônia tudo vai muito bem. Porque o senhor não
aceita as reformas? Na Polônia não há problemas. Só se sente falta do latim,
nós éramos muito ligados ao latim, pois isso nos unia a Roma, e nós somos
muito romanos. É pena, mas o que o senhor quer que eu faça, não há mais
latim nos seminários, nem no Breviário, nem na Missa. Não tem mais latim. É
uma infelicidade, mas é assim. O senhor vê, na Polônia aceitou-se as
reformas, não há nenhum problema: nossos seminários estão cheios, nossas
igrejas estão cheias».
Eu respondi ao Santo Padre:
«O senhor me permite mostrar uma carta que recebi da Polônia?» E mostrei a
carta. Quando ele leu o nome do bispo disse: «Oh! é o pior inimigo dos comunistas...ah! é uma boa referência.». E o Papa
leu atentamente a carta. Eu olhava seu rosto para ver sua reação diante dessas
palavras ditas duas vezes na carta: nos obrigam a tomar a reforma litúrgica
para arrancar a fé dos nossos fiéis. Evidentemente era difícil de engolir. No
final ele me disse: «O senhor recebeu esta carta assim?» - «Sim, é
uma fotocópia que eu trouxe para o senhor». - «Oh! deve ser falsa».
O que eu podia dizer? Não havia nada mais a responder. O Papa me disse: «O senhor sabe, os comunistas são muito hábeis para tentar provocar divisões nos episcopados». Ou seja, segundo ele, seria uma carta fabricada pelos comunistas que me teria sido enviada. Mas eu duvido muito, pois esta carta foi postada na Áustria e eu suponho que seu autor tenha tido medo do extravio da carta pelos comunistas e que ela não chegasse. Por isso ela foi postada na Áustria. Eu respondi a este bispo, porém não recebi mais nada dele. É para mostrar que há, eu penso, também na Polônia, divisões profundas. Aliás, sempre houve, entre os padres da Pax e os que querem manter a Tradição. Isso foi trágico atrás da cortina de ferro.
A
influência dos comunistas em Roma
É preciso ler o livro Moscou
e o Vaticano, do padre jesuíta Lepidi. É extraordinário. Ele mostra a
influência que têm os comunistas em Roma e como eles chegam a fazer nomear
bispos e até dois cardeais: o Cardeal Lekaï e o Cardeal Tomaseck. O primeiro,
sucessor do Cardeal Mindszenty. O segundo, sucessor do Cardeal Beran, que foram
heróis e mártires da Fé. Em seus lugares puseram os padres da Pax, ou seja,
pessoas decididas, antes de mais nada, a se entenderem com os governos
comunistas e que perseguem os padres tradicionais. Os padres que vão
secretamente batizar alguém no interior ou fazer o catecismo escondido para
continuar sua obra de pastores da Igreja Católica, são perseguidos por estes
bispos que lhes diz: vocês não têm o direito de não respeitar as ordens dos
governos comunistas. Vocês nos atrapalham agindo assim.
Esses padres estão prontos a
dar suas vidas para preservar a fé de seus filhos, para preservar a fé das famílias,
para dar os sacramentos aos que têm necessidade. É claro que nestes países é
preciso sempre pedir autorizações, quando vão levar o Santíssimo Sacramento
nos hospitais ou para qualquer outra coisa. Se eles saem de suas sacristias têm
de perguntar ao P.C. se lhes autoriza. É impossível. As pessoas morrem sem
sacramentos; as crianças não são mais educadas de modo cristão. Por isso
eles fazem escondido. E quando eles são presos, são os próprios bispos que os
perseguem. É assustador.
Não seriam o Cardeal
Wyszynski, nem o Cardeal Slipyi, nem o Cardeal Mindszenty, nem o Cardeal Béran que fariam algo parecido. Eles, ao contrário, empurravam seus
bons padres dizendo: vamos, partam. Se forem para a prisão terão feito seu
dever de padre. Se for para serem mártires,
sejam mártires.
Isso mostra a influência
exercida sobre Roma e que temos dificuldade de imaginar. É difícil de
acreditar.
Quanto a mim, nunca estive
contra o Papa. Nunca disse que o Papa não era papa. Sou inteiramente pelo Papa,
pelo sucessor de Pedro. Não quero me separar de Roma. Mas sou contra o
Modernismo, contra o progressismo, contra toda esta influência má, nefasta, do
protestantismo nas reformas, e contra todas as reformas que nos envenenam e
envenenam a vida dos fiéis. Eles dizem: o senhor é contra o Papa. Ao contrário,
eu venho socorrer o Papa, pois o Papa não pode ser modernista e progressista,
é uma fraqueza ele deixar acontecer. Isso pode acontecer. São Pedro foi fraco
também diante de S. Paulo, quanto aos judeus. E São Paulo o repreendeu
duramente: «Não andas segundo o Evangelho», disse São Paulo a São
Pedro. São Pedro era Papa e São Paulo o repreendeu. Ele disse com vigor: «Repreendi
o chefe da Igreja que não andava segundo a lei do Evangelho» Era grave
dizer isso ao Papa. E Santa Catarina de Sena, também fez críticas veementes
aos Papas. Nós temos a mesma atitude ao dizer: Santíssimo Padre, o senhor não
está cumprindo seu dever. É preciso voltar à Tradição se deseja que a
Igreja refloresça. Se o senhor permite que esses cardeais, que esses bispos,
persigam a Tradição, estará realizando a ruína da Igreja.
Tenho certeza que, no seu
coração o Papa tem uma profunda inquietação e que ele procura um meio de
renovar a Igreja, e eu espero que com nossas orações, com nossos sacrifícios,
com as orações de todos os que amam a Igreja, todos que amam o Papa, tenho
certeza que conseguiremos.
E principalmente com a devoção
à Santíssima Virgem. Se nós rezarmos à Santíssima Virgem, ela não pode
abandonar seu Filho, ela não pode abandonar a Igreja que seu Filho fundou, a
esposa mística de seu Filho. Vai ser difícil, vai ser um milagre, mas nós
vamos conseguir.
Mas para mim, não quero que
me façam dizer que a Nova Missa é boa, que ela é simplesmente menos boa que a
outra, mas que é boa. Não posso dizer isso. Não posso dizer que estes
sacramentos são bons. Eles foram feitos pelos protestantes, eles foram feitos
por Bugnini. E o próprio Bugnini disse, como podemos ler no Observatório
Romano e na Documentation Catholique, que traduziram o discurso de
Bugnini, de 19 de março de 1965, ou seja, antes de todas as reformas:
«Devemos tirar das nossas
orações católicas e da liturgia católica tudo que possa ser sombra de choque
para nossos irmãos separados, quero dizer, para os protestantes».
Será possível que se tenha
de ir perguntar aos protestantes, sobre o Santo Sacrifício da Missa, dos
sacramentos, de nossas orações, do nosso catecismo: em que vocês não estão
de acordo? Vocês não gostam disso ou daquilo? Bom, vamos suprimir.
Não é possível. Talvez não
nos tornemos heréticos, mas a fé católica será diminuída. É assim que não
se acredita mais no limbo, no purgatório, no inferno. Não se acredita mais no
pecado original, nem nos anjos. Não se acredita mais na graça, não se fala
mais do sobrenatural. É o fim da nossa fé.
Então devemos manter
inteiramente nossa fé e rezar à Santíssima Virgem porque, por nós mesmos...
é um trabalho de gigantes que nós queremos realizar, e sem o socorro do Bom
Deus não conseguiremos. Dou-me conta da minha fraqueza, do meu isolamento. O
que posso fazer sozinho diante do Papa? Diante dos cardeais? Não sei. Vou como
um peregrino, com meu cajado de peregrino. Vou dizer: guardem a fé, guardem a fé.
Sejam mártires mas não abandonem a fé. É preciso manter os sacramentos e o
Santo Sacrifício da Missa.
Não podemos dizer: ah!
você sabe, se mudou não faz mal. Eu tenho a fé bem enraizada e não corro o
risco de perder a fé.
Percebemos que os que estão
habituados a freqüentar a nova missa e os novos sacramentos, pouco a pouco
mudam de mentalidade. Alguns anos mais tarde, conversando com alguém que vai
nessa nova missa, nessa missa ecumênica, percebemos que adotou o espírito ecumênico.
Termina-se colocando todas as religiões no mesmo plano. Podemos perguntar-lhe:
pode-se salvar pelo protestantismo, pelo budismo, pelo islamismo? Ele responderá:
mas claro, todas as religiões são boas. E pronto! Tornou-se um liberal,
protestante. Não é mais católico.
Só existe uma religião, não
há duas. Se Nosso Senhor é Deus e se Deus fundou uma religião, a religião
Católica, não pode haver outras religiões, não é possível. As outras
religiões são falsas. É por isso que o Cardeal Ottaviani disse: «Da tolerância
religiosa». Tolera-se os erros porque não se pode impedir que eles se
espalhem. Mas não se os coloca em pé de igualdade com a Verdade. Ou então se
acaba com o espírito missionário. Se todas essas falsas religiões salvam, então
porque sair em missão, para quê? Deixem-nos em suas religiões e eles vão se
salvar...Não é possível. O que fez a Igreja durante vinte séculos? Porque
todos esses mártires? Porque todos os que foram massacrados nas missões? Os
missionários perderam seu tempo, perderam seu sangue, perderam suas vidas! Não
podemos aceitar isso.
Precisamos permanecer católicos
e é muito perigoso escorregar no ecumenismo e embarcar numa religião que não é mais católica.
Desejo vivamente que todos
sejam testemunhas de Nosso Senhor, da Igreja Católica, testemunhas do Papa, da
Catolicidade, mesmo se devemos ser desprezados, insultados nos jornais, nas paróquias,
nas igrejas. E daí! Somos as testemunhas da Igreja Católica, os verdadeiros filhos da Igreja Católica e os
verdadeiros filhos da Santíssima Virgem Maria.
+ Mgr. Marcel Lefebvre