Cartas do Concílio

Pe. Berto

 

Santo André, 30 de novembro de1963, de Roma,

 

Caro Padre,

 

(...) O trabalho foi impressionante, isso não é nada. Foi sobretudo doloroso. Quantas vezes, depois dos votos de 29 e 30 de outubro[1], chorei, chorei copiosamente, sobre as pobres folhas que eu cobria com minhas notas! O castigo de Deus veio sobre estes votos, talvez maior sobre o primeiro; o segundo, mais grave do que o primeiro ut res, foi menos pavoroso ut signum[2]. A sorte desta Sessão foi decretada neste dia no Céu, onde reina um Filho que não quer que sua Mãe seja ultrajada. O castigo foi este vergonhoso lamaçal, este ridículo fiasco de dois mil bispos, repetindo duas mil vezes que íamos ver o que vimos, sem nada mostrar além de sua impotência e de sua nulidade.

Eu me acuso, e quero me acusar diante da terra inteira, de ter duvidado, duvidado do amor de Nosso Senhor por sua Mãe, duvidado do zêlo que Ele teria em vingar a sua honra. A vingança foi imediata: ela foi de tornar este Concílio caduco durante seis semanas, e ela será amena se parar por aí.

Sim, eu duvidei e me acuso disso amargamente. Mas, também! Éramos algo em torno de sessenta Padres entre dois mil, uns dez teólogos contra mais de cem. Tínhamos diante de nós homens de um só dia que só tinham para si uma hora, que sabiam que esta hora não voltaria, que queriam que esta hora fosse a hora do seu triunfo e que, para triunfar, não economizaram nem intrigas, nem efeitos surpresa, nem armadilhas maliciosamente preparadas, nem mesmo, infelizes, a desonestidade. O que podia fazer nossa frágil barreira? Levei três semanas para compreender que Deus a tinha tornado imbatível. Eu pensei que ela tinha cedido, mas ela resistia ainda. Eu pensava que ela tinha sido arrastada, mas ela ainda estava de pé. Sofri, sofri mortalmente, antes de ver, enfim, o que eu tinha diante de mim: Deus impondo os limites ao mar, como diz o Espírito Santo no livro da Sabedoria, e lhe proibindo de ultrapassá-lo.

Porque este formidável ataque caiu de estalo em fraqueza? Porque não bateram o ferro enquanto estava quente? Porque os chefes desta maioria numericamente toda-poderosa não apresentaram um texto (esquema) conforme o voto do dia 29 de outubro, porque não apresentaram este esquema aos Padres conciliares, arrancando um novo voto que teria sido sua vitória definitiva? No estado de espírito era algo já tão assegurado, tão infalível que nunca haverá para mim explicação humana para esta espantosa cegueira de homens até ali tão hábeis. Só há uma explicação. O funesto voto da véspera, apostasiando o Evangelho das Bodas de Caná, longe de convidar a Virgem Maria, lhe havia dito de se retirar. Ela atrapalhava! A Virgem Maria atrapalhava o Concílio que a convidava a se retirar. Oh! ela não esperou que repetissem o convite! A terra não tremeu, os raios não cairam sobre São Pedro. Nossa Senhora saiu discretamente num profundo silêncio; somente, era tão discreta no seu silêncio profundo que ela não disse: Vinum non habent - eles não têm mais vinho, e os destinos da segunda Sessão foram selados.

Quando se é um Concílio ecumênico e que se pede à Virgem Maria para sair, deveríam pelo menos lembrar-se que ela nada mais pede do que se apagar, isso é bem conhecido, e que ela poderia muito bem apagar-se em demasia. A Virgem Maria não tendo nada dito, Jesus nada fez; a água continuou sendo água, nem mesmo água potável, mas água para lavar, como foi em Caná, e pior, com muitos micróbios dentro. Havia desta água nas urnas...! Ela se derrama há seis semanas por duas mil torneiras. A Sessão vai terminar e há torneiras que acham que não derramou bastante! Mas a opinião geral é que já basta. Mesmo se mudamos de torneira, é sempre água que escorre, e como ninguém tem mais esperança que saia vinho, melhor fechar todas as torneiras.

Acho que Nossa Senhora, do seu lado, teria se contentado de deixar o Concílio atolar neste aguaceiro não muito limpo. Mas, em vez de lhe pedir de joelhos, numa súplica solene, de pronunciar o Vinum non habent, declararam formalmente que ela atrapalhava, que ela era um embaraço, um estorvo, diante de seu Filho, ela a Esposa do Espírito Santo! Ainda quando se é um Concílio ecumênico, deve-se saber que expulsar a Virgem Maria é uma operação que pode ter consequências, e pode não ser ratificada por ALGUÉM que lhe abriu as portas do céu; deve-se ver além da ponta do seu nariz e não achar que se tem direito ao Espírito Santo assim, como por encomenda, bastando para isso ser um concílio.

Dominus autem irridebit vos. O Espírito Santo, que havia coberto Maria com sua sombra também é o Espírito que plana sobre as águas. De modo que esta segunda Sessão não foi apenas estéril, ela foi um lamaçal, pela justa demissão de Deus. O exército não debandou, ele foi bloqueado no lugar, atolado até os joelhos, cada um levantando uma perna enquanto a outra afundava, livrando esta e afundando, por sua vez, a primeira, com contorsões parecidas com as dos perus quando são obrigados, nas feiras, a dançar sobre chapas quentes. Enquanto isso, o Espírito Santo, que só vem de junto do Pai se o Filho o envia, quem ego mittam vobis a Patre, espera no Paraíso. O que Ele aguarda? Que o Concílio seja celebrado como no cenáculo, cum Maria Matre Jesu.

Eis a história mística da segunda Sessão; é a única história verdadeira. Eu a vivi, no início sem nada entender, com o coração apertado. Nondum venit hora mea – Minha hora ainda não chegou. Jesus não vai adiantar a sua hora pois a Virgem Maria não lhe fez este pedido. Mas, por outro lado, haec est hora vestra – esta é a vossa hora, “vocês tinham a sua hora, que o Senhor lhes deixou; ela serviu para que Ele lhes confundisse e agora, ela passou e não lhes será dada outra” – Spes nostra Salve!

Até breve, e que a morte nos encontre super hanc Petram – (sobre esta Rocha).

(Segue em breve)

 

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[1] Trata-se ainda da anulação do documento sobre a Virgem Maria (dia 29) e do voto sobre a Colegialidade dos bispos (dia 30).

[2] Ver carta anterior