Exemplares do Rebanho

Dom Lourenço Fleichman OSB

Depois de ter oferecido a nossos leitores e fiéis muitos textos dos papas, dos Concílios, dos santos, tanto de rito oriental como de rito latino, falando da castidade do padre, abrimos novas perspectivas para falar sobre a santidade do clero de um modo mais geral, com o Tratado do Ministério Eclesiástico, do Pe. Emmanuel.

Ao apresentar este Tratado, pretendemos mostrar que os sacerdotes de Nosso Senhor Jesus Cristo não devem ser castos apenas porque toda a Tradição nos prova que o celibato existia desde os Apóstolos, ou porque existam leis muito antigas que obrigam os padres a viverem na inocência. O principal motivo da castidade e da santidade na vida dos padres vem do ofício divino e sublime que lhes é confiado. E este ofício não é apenas uma ordem imposta por Deus: o padre, ao receber o sacramento da Ordem, adquire em sua alma um caráter sacerdotal, uma mudança efetiva e radical em seu ser, que o transforma e neutraliza aquilo que havia de puramente profano e natural e o faz participante ativo da economia da salvação. Em outras palavras: o padre está crucificado com Nosso Senhor.

Este caráter sacerdotal manifesta-se, na vida do padre pelo poder extraordinário que lhe é conferido, de consagrar o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Nosso Senhor. Suas mãos já não são mãos profanas, mas receberam a unção do óleo sagrado que as consagraram para o uso santo de oferecer o sacrifício do altar. Ali, entre seus dedos, pousa Jesus Sacramentado, esta dádiva inigualável de amor pela qual nos é oferecida a salvação, sob forma de alimento. Ela é a mão forte do lavrador que abre-se sobre a mesa da casa e deixa derramar os primeiros grãos de trigo, as primícias do seu labor. Este, e só este trigo consagrado está à altura da missão e das graças que ele recebe.

É ainda a mão sagrada do padre que se levanta poderosa e carregada de justiça, no confessionário, para perdoar o pecador arrependido e contrito, como outrora a mão do Rei, de posse do cetro de justiça levantava-se para julgar, perdoar e castigar seus amados súditos. É o pai espiritual que abençoa, com o poder verdadeiro e eficaz de Deus, tudo aquilo que seus filhos espirituais precisam que seja abençoado: a casa, o automóvel, as imagens sagradas, os doentes, as criancinhas. – A bênção, padre! – Deus lhe abençoe, meu filho. Quando os homens deixaram, envergonhados, de tomar a bênção ao padre, já estava traçada a estrada que culminaria nesta vergonhosa campanha para o abandono do celibato.

Como podemos aceitar que as mãos de um homem com tão elevada missão possam estar à serviço de vida mundana, de vida profana, voltada para ganhar dinheiro para alimentar sua família?
Vamos então promover a nova classe de padres que, para "agradar" a Deus, vai precisar interromper as confissões dizendo: "tenho de buscar meus filhos no colégio"? Ou esperar ouvir do padre, quando a senhora for pedir que reze uma missa de 7º dia, que "nesse dia não posso, pois tenho de levar minha mulher ao médico"? E onde fica a grandeza da sua missão? O que se faz com Jesus crucificado? Joga-se fora, deixa-se num canto para que não atrapalhe?

Existe uma evidente oposição entre a vida familiar e a vida sacerdotal, entre o abandono da vida mundana na busca da santidade, e as necessidades do mundo que qualquer família possui.

E se nós viermos a falar de Jesus Cristo, que conquistou com sua morte na cruz o poder do Rei, do Profeta e do Sacerdote? Vítima adorável pelos homens pecadores, faz-se sacrificador oferecendo-se a si mesmo como hóstia de agradável odor, ao Pai Eterno. Rei supremo do universo, sentado à direita do Pai, para julgar o mundo no dia derradeiro. Rei que conquista direito sobre o mundo, por sua morte na Cruz, para governá-lo, como chefe, como pai, como salvador. Profeta por excelência, que assume a missão de criar a Ponte entre o céu e a terra, entre Deus e os homens. Não é difícil para o católico compreender que seus padres devem ser como o próprio Cristo, já que receberam, pelo sacramento da Ordem, os poderes de Jesus Cristo. O povo cristão espera ver em seus padres o espelho de  Nosso Senhor, já que recebem de suas mãos o Corpo e Sangue de Jesus, sua fé, sua graça, o seu Paraíso.

E se nós viermos a falar de Jesus Sacramentado, nesta semana em que a Igreja celebra a festa de Corpus Christi? Podemos medir razoavelmente a grandeza deste Sacramento do Amor? Sacramento em que nosso adorável Salvador dá-se a nós como alimento, para que fortificados com seu Corpo e com seu Sangue tenhamos forças para vencer o mundo, para seguir em frente apesar de tantos sofrimentos. A crise do sacerdócio é uma crise da fé na Presença Real de Jesus na Hóstia consagrada. É porque já não acreditam mais no sublime sacramento da Eucaristia que os padres querem abandonar a santidade de seu estado de vida. Meditem, um pouco que seja, releiam os textos de S. Paulo, de São Pedro, de São João.

"Aos sacerdotes, pois, que estão entre vós, rogo, eu sacerdote como eles e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e que tomarei parte com eles naquela glória que será manifestada um dia: Apascentai o rebanho de Deus que vos está confiado, tendo cuidado dele, não constrangidos, mas de boa vontade, segundo Deus; não por amor do lucro vil, mas por dedicação, não como para dominar sobre a herança (do Senhor), mas feitos sinceramente exemplares do rebanho. E quando aparecer o príncipe dos pastores, recebereis a coroa imarcessível da glória." (I Pe., 5, 1-4)

Abram os velhos missais Latim-Português e busquem na missa de Corpus Christi, na antiga, escrita por São Tomás de Aquino, as mais elevadas verdades relativas ao Sacramento do Altar, ao Pão dos Anjos, descido do céu.

"Os sacerdotes do Senhor oferecem a Deus o pão e o incenso. E é por este motivo que se conservam santos diante de Deus e não deshonram o seu nome." (Lev. 21,6 - antífona do ofertório da missa de Corpus Christi)

Basta um mínimo de vida de oração para que se compreenda que para se tocar na sagrada hóstia é preciso ter mãos consagradas; para pronunciar as palavras do Mistério e ter entre suas mãos o próprio Deus é preciso aniquilar-se, humilhar-se, viver profundamente o mistério de nossa miséria, chorar ante o peso dos nossos pecados, e pedir todos os dias, todas as horas, em todas as missas, que Ele mesmo nos faça dignos de assumir tamanho encargo. Ele é capaz disso. Ele pode nos transformar em santos, em verdadeiros seguidores seus, fazendo corresponder nossas vidas à grandeza do poder que dEle recebemos. Basta querer, basta pedir, basta dedicarmo-nos à vida de oração, aos retiros espirituais, às leituras santas, ao zelo pelas almas. Basta deixarmos um pouco de lado o trabalho "social", para centrar nossas vidas em torno do Evangelho.

De modo que não podemos deixar de ver, nesta campanha milionária que há anos vem dilacerando o coração do fiel católico, impondo à opinião pública, pelas manipulações costumeiras dos instrumentos "democráticos" e da imprensa "livre" a idéia absurda e de que o padre deveria se casar, um reflexo da perda da fé, da apostasia generalizada que caracteriza o nosso tempo. Bispos às centenas vêm aos jornais do mundo inteiro para dizer em alto e bom som que já não são mais católicos, que pensam como o mundo, que querem trair seu sacerdócio sagrado, e que, pior de tudo, já não acreditam mais que tenham entre suas mãos o próprio Corpo e Sangue de Jesus Cristo. Dificilmente acreditam na divindade de Cristo, pois se acreditassem não diriam tantas bobagens e blasfêmias sobre Jesus Cristo e sobre o seu sacerdócio.

O padre deve viver mergulhado em oração, meditando os Santos Evangelhos, espelhando sua vida naquilo que Jesus viveu, junto à Virgem Mãe de Deus, que é Mãe de todos os sacerdotes. Que Ela lance sobre a terra o seu terno olhar, para suscitar em seus filhos sacerdotes o mesmo amor de caridade que ela conheceu no coração de São João Evangelista, jovem, virgem, casto: o discípulo amado.

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