O Novo Papa Bento XVI

Dom Lourenço Fleichman OSB

 

Depois do barulho e da agitação da mídia, quando já começam a cair ao chão as pétalas de rosas lançadas ao vento pelas multidões agrupadas tanto na Praça de S. Pedro quanto diante de cada televisão, depois da demonstração do furor dos exaltados progressistas que não mediram palavras para criticar o novo papa, creio dever trazer para os fiéis de nossas capelas, para os fiéis amigos e leitores de nossos sites, algumas considerações sobre a eleição do Papa Bento XVI.

 

Quando me perguntavam qual o candidato que eu preferia, dizia que, no meu entender só um milagre de Nosso Senhor faria um novo Pontífice (qualquer que fosse)  trabalhar com afinco na restauração da monumental destruição dos últimos quarenta anos. Formados todos eles por novas doutrinas, novas filosofias já afastadas do tomismo, do realismo consagrado pela Igreja; tendo todos os cardeais trabalhado ativamente na elaboração do Concílio Vaticano II, fonte de toda esta destruição, não via, como não vejo, fundamentos humanos para imaginar um novo Papa, por si só, querendo e resistindo a tudo e a todos para tamanha obra. E que, sendo assim, o candidato que qualquer católico digno desse nome deveria pedir ao Espírito Santo, devia ser aquele que mais dócil venha a ser a este milagre, ou a esta graça, se preferirem. Mas a docilidade à graça independe das tendências que cada um apresenta hoje, que seja “conservador” ou “progressista”, como a mídia gosta de classificar. A docilidade à graça pode ser maior naquele que, antes da graça, era o mais ferrenho progressista do Colégio dos Cardeais. Precisamos de um novo Saulo que se transforme em São Paulo!

 

Peço aos eventuais leitores sentimentais que focalizam a beleza exterior e as emoções causadas pelas imagens, que não tragam objeções carregadas de sentimentos, porque não tenho a menor intenção de discutir aspectos secundários dessa eleição. Dizer que estamos cheios de esperanças parece-me ilusório demais se nesta esperança não estiver colocada a tremenda pressão sobrenatural que o momento exige. Ora, esta esperança sobrenatural nos inclina mais à espada do bom combate pela fé do que às rosas e perfumes da emoção. Sinto muito, mas eu não posso sorrir diante da Casa de Deus destruída, diante da identidade católica diluída a ponto de já não se saber mais onde está a verdadeira fé, a verdade revelada e infalível de Deus. A situação é grave demais para que eu me emocione. Deixo esse tipo de manifestação para quando o essencial estiver restaurado.

 

Nossas orações, antes da eleição do novo Papa, eram assim canalizadas para o bem da Igreja, mas para o único bem que importa: voltar a Igreja ao seu lugar de Esposa ataviada para o seu Esposo; Esposa que é nossa Mãe e que nos corrige e mostra a verdade e o bem para a nossa salvação. Este lugar lhe foi roubado pelas novas doutrinas do Vaticano II. E cabe ao Divino Espírito Santo, alma incriada da Igreja, iluminar a alma do novo Papa para que realize esta obra. Para tanto, diante de tamanha destruição, será preciso algo acima das forças humanas, uma proteção especial de Deus para vencer todas as pressões, quer sejam políticas, quer sociais ou de uma religiosidade naturalista as quais insistem em trazer suas considerações para olhares puramente humanos e naturais.

 

Acredito que a alma de um homem, no momento em que recebe do Espírito Santo o carisma papal, seja misteriosamente orientada para o bem da Igreja. Em tempos normais, esta inclinação sobrenatural deveria ser suficiente para que o novo Pontífice levasse a Esposa de Cristo na direção do Porto seguro da Salvação. Mas os tempos mudaram e Roma já não é mais a Sede da Verdade pois que dela nos chega, há quarenta anos, doutrinas condenadas pela Igreja. Existe, creio eu, esta graça; o drama é que cabe ao novo pontífice aceitá-la, deixar-se guiar, rezar com muita santidade, para que as forças em volta não o desviem desse fim. Vejam os dois últimos exemplos de novos papas: João Paulo I morre misteriosamente no dia seguinte da destituição do Cardeal Casaroli do cargo de Secretário de Estado, aquele que implantou a destruição dos últimos Estados Católicos em nome da liberdade religiosa (condenada pela Igreja). No dia de sua morte, estava já marcada audiência com o Padre Arrupe, superior geral dos jesuítas, outro demolidor da Igreja. Talvez o Papa João Paulo I tenha tido o ímpeto de restaurar a Igreja, graça do Espírito Santo que tentou por em prática, mas foi impedido pela morte.

No caso de João Paulo II, dois fatos datados dos primeiros dias de seu pontificado me dão a entender que também ele tenha sido movido à esta restauração: a obrigação do uso da batina em Roma e a afirmação feita ao Cardeal Villot (demolidor) de que não via nada de condenável nas idéias de Mons. Marcel Lefebvre. O drama é que João Paulo II, foi deixando de lado a restauração e, em pouco tempo tornou-se o papa do ecumenismo desenfreado que consolidou a demolição de todos os fundamentos da fé católica. Em poucos anos a verdadeira Igreja Católica estava meio à deriva, enquanto a máquina do Vaticano governava a Outra. (cf. www.capela.org.br/Artigos/outra.htm)

 

Estamos hoje diante de um novo papa, Bento XVI. Não podemos deixar de ver, em alguns detalhes, sinais de que a graça trabalha no seu coração.

- Escolheu o nome de Bento, Benedictus. Porque nasceu no dia de sua festa, porque o evangelizador da Alemanha era beneditino, São Bonifácio, e porque pretende, no seu pontificado, re-cristianizar a Europa. Para tanto pede o auxílio espiritual do Patriarca dos monges do Ocidente que levou o cristianismo a todos os cantos do continente europeu. Pede o auxílio para uma obra essencial. Ele não disse unificar no movimento ecumênico, como teria dito João Paulo II. Disse re-cristianizar aquilo que já fora católico e que não é mais. Reconhecimento implícito de que os frutos do Concílio são maus? Talvez. Em várias ocasiões, o então cardeal Ratzinguer afirmou a necessidade de se voltar atrás.

 

- No sermão da missa de abertura do conclave, o último antes da eleição, o futuro papa afirmou fortemente que precisamos de uma fé adulta, e explicou:

“Em que consiste ser crianças na fé? Responde São Paulo: significa ser “sacudidos pelas ondas e jogados cá e lá por qualquer vento de doutrina”... Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modas de pensamentos... A pequena barca do pensamento de muitos cristãos não raramente foi agitada por essas ondas – jogada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até ao libertinismo; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo religioso, e assim por diante. Todo dia nascem novas seitas e se realiza quanto diz S. Paulo sobre o engano dos homens, sobre a astúcia que tende a arrastar ao erro.

Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, freqüentemente é etiquetado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, o deixar-se levar “aqui e acolá por qualquer vento de doutrina” aparece como a única atitude que não reconhece nada como definitivo e que deixa a última medida somente para o próprio eu e as suas vontades.

... Esta fé adulta é a que devemos amadurecer, a esta fé devemos guiar o rebanho de Cristo. E é esta fé – somente a fé -  que cria unidade e se realiza na caridade.”

 

- Em diversas ocasiões, o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé manifestou seu desacordo com os rumos tomados pela Liturgia e por certas doutrinas heterodoxas.

 

Por outro lado, nem tudo nos inclina nesta direção: parece não perceber que o próprio Concílio é a fonte desses males todos.

Quando lemos seus livros mais antigos encontramos toda uma “nova teologia” extremamente imbuída das idéias progressistas extremamente graves, onde Jesus Cristo deixa de ser Deus para tornar-se exemplar do humanismo total, o Cristo antropológico, entre outros graves erros. Teria mudado de pensamento quando assumiu a Congregação para a Doutrina da Fé? Se houve esta mudança ele nunca a comunicou a seus leitores. Nos livros mais recentes aparece como crítico de certos abusos litúrgicos, mostra interesse pelas cerimônias bem feitas, bonitas, abre-se até mesmo a elogios à missa tridentina... mas nada disso se opõem verdadeiramente às doutrinas heterodoxas dos primeiros escritos.

Se é verdade que surpreendeu quando quis fazer seu primeiro sermão em latim (e podemos imaginar que muitos dos bispos presentes não entenderam nada!), infelizmente o conteúdo estabelece uma espécie de programa de governo onde afirma querer seguir os passos de seu antecessor, João Paulo II: no diálogo ecumênico, na continuidade da obra de Vaticano II, etc.

Poderia ser diferente? Talvez não. Se imaginarmos que o Papa Bento XVI possa vir a restaurar a Igreja destruída, talvez precise usar de todo cuidado para cativar os seus mais próximos colaboradores para tal obra.... talvez. Esperemos que assim seja e que ele tenha a coragem de devolver à Igreja o lugar e os direitos da Tradição Católica;

 

Por seu lado humano e por sua obra anterior temos assim, motivos de apreensão, apesar de sinais promissores. Confirma-se, no meu entender, pelo que ficou mostrado nos prós e contras, que só um milagre pode fazer com que o novo Papa seja fiel ao carisma papal que acaba de receber e restaure a Igreja. Temos portanto muitos motivos de oração, de estudo, de mortificações pela Santa Igreja, pelo Papa Bento XVI e pelas nossas famílias.

 

São Pedro, primeiro Papa, rogai por nós,

São Pio X, último Papa santo, rogai por nós,

São José, padroeiro e protetor da Santa Igreja, rogai por nós,

São Bento, patrono da Europa, rogai por nós.

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